Olhou pra avenida que corria em carros aos seus 100 km/h. Lembrou da pele bronzeada de cada um dos seus seis rebentos. Profissional em sofrimento, sabia bem o gosto doído de estar ali, viva. Desde a saída casa da mãe, ainda com uma boneca entre os pertences, até o contemplar diário do Rio do Capibaribe, encardido e cheio de vida, ela sabia. Não aguentaria ficar sem seu esteio, o mesmo que a havia "roubado" décadas antes do colo de sua mainha. Aguentou criar os filhos entre os espaços vazios no armário e as preces pra N. Senhora da Conceição. Porque labutar era sua herança. Tinha músculos rijos como as feições caboclas de sua face. Mas não suportaria que molestassem seu calcanhar rachado de Aquiles, seu sentimento maquiado de mulher forte, seu ego atrofiado.
Um grito engasgado latejava e sufocava. Sem ar, ela decidiu ir de encontro ao correr solto da massa cinzenta de asfalto e automóveis a sua frente. Mas a memória lhe dizia que era pecado, que era ida direta pro inferno. E as longas promessas de anos? E os olhos de Nossa Senhora olhando cálidos pra ela na capela de todo dia? Melhor... E os olhos atentos de seus filhos quando saiu aturdida de casa? Não. Eles estavam criados. Ela tinha a fé dos outros fiéis e as ofertas do domingo. E o inferno, o inferno não deveria ser tão ruim, afinal da quentura já estava acostumada, pelos 80 minutos diários que andava até o trabalho. Aliás, pra quê pensar tanto? A dor já chegava de novo. "Ele não me quer mais", "Não posso mais cuidar as roupas e da janta dele", "E agora?", "Agora é ela"... Não! Já foi... Ela foi. Ela foi sem se benzer. Atrapalhou o tráfego e o público, como na música das proparoxítonas. Só não era sábado, era um dia mais comum.
Entre o último passo e o último fôlego vi um alívio em dentes lavados de uma poeira encarnada. Um alívio que já conhecia, da mulher que ultrapassa o extremo, que aguenta a dor de ser rompida ao dar à luz, mas que não suporta sentir as navalhadas da lâmina fina do amor que dói.
Nota: Leitura do caso de uma conhecida que suicidou-se por ter perdido o companheiro.
Um grito engasgado latejava e sufocava. Sem ar, ela decidiu ir de encontro ao correr solto da massa cinzenta de asfalto e automóveis a sua frente. Mas a memória lhe dizia que era pecado, que era ida direta pro inferno. E as longas promessas de anos? E os olhos de Nossa Senhora olhando cálidos pra ela na capela de todo dia? Melhor... E os olhos atentos de seus filhos quando saiu aturdida de casa? Não. Eles estavam criados. Ela tinha a fé dos outros fiéis e as ofertas do domingo. E o inferno, o inferno não deveria ser tão ruim, afinal da quentura já estava acostumada, pelos 80 minutos diários que andava até o trabalho. Aliás, pra quê pensar tanto? A dor já chegava de novo. "Ele não me quer mais", "Não posso mais cuidar as roupas e da janta dele", "E agora?", "Agora é ela"... Não! Já foi... Ela foi. Ela foi sem se benzer. Atrapalhou o tráfego e o público, como na música das proparoxítonas. Só não era sábado, era um dia mais comum.
Entre o último passo e o último fôlego vi um alívio em dentes lavados de uma poeira encarnada. Um alívio que já conhecia, da mulher que ultrapassa o extremo, que aguenta a dor de ser rompida ao dar à luz, mas que não suporta sentir as navalhadas da lâmina fina do amor que dói.
Nota: Leitura do caso de uma conhecida que suicidou-se por ter perdido o companheiro.
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