As flores estavam frescas. Estava colhendo flores no quintal alheio e vi uma moça-flor em cachos de pétala desbotados, olhos sem cor e pele meio opaca. O que tirara a cor dos seus olhos estava em seu ventre jovem e precoce. Dois beija-flores espelhados, casados pelos bicos que se beijavam. Assim sugavam da moça e um do outro toda a doçura do sopro de vida. Eles desabrochavam e ela murchava. O jardineiro, cuidador por excelência, decidiu pela moça-flor. Só ele sabia bem o que seria capaz de fazer a beleza de uma moça em flor... mas o Dono da terra achou que deveria punir o Cuidador por ele ter cuidado da flor. Ele não gostava de cuidadores. Logo os cuidadores, que cuidam tão bem e fazem por amor à beleza da flor. Logo aquele Dono, que sonhava em ser dono dos outros jardins e de todas as terras e agem por respeito a egos inflados.
Quando estava indo embora, vi o sorriso do Cuidador, vi que a tentativa de punição não fez a menor diferença. Vi que seus olhos brilhavam em alívio por ter cuidado de mais aquela moça, novinha em flor. Correspondi com um sorriso cheio de gratidão. Peguei as minhas flores frescas, prontas e fui enfeitar minha sala. "Aquele Cuidador de sorriso florido tinha razão", pensei eu com meus botões de flor, enquanto os olhava. Ele conhece com maestria a beleza de que cuida. E já ninguém mais lembrava do Dono, nem o Cuidador às voltas com os cuidados de outra flor - moça ou madura - nem os outros beija-flores que com certeza apareceram para sugar de novo e na hora certa aquela flor, nem eu, que já havia ido colher mais histórias de flor em outros jardins.
Nota: Leitura do caso dos médicos recifenses que foram excomungados pela Igreja por fazerem aborto em garota de 9 anos, grávida de gêmeos.
Estudante, 20 e poucos anos, com fobia de fazer escolhas e com a síndrome de Peter Pan. Amante da palavra e de suas múltiplas faces. Disposta a muita coisa, meio intolerante, neurótica e indisciplinada. Nunca fui a mais popular da escola, nem a irmã que mais namorou. Sempre fui da minoria. Entre conhecidos, "a séria", "a cordata". Entre amigos, confidente e leal - altruísta de nascença. Em família, "a chata" aturada (digo, amada... rs). Quanto aos amores, "dura na queda", custa a aprender. De minha mãe herdei traços de caráter e dele, meu amado pai que já se foi, a minha própria face. Mas foi antes de tudo que me encontrei. Ainda no ventre, fazia leituras e imaginava quem falava ali fora, qual a mão carinhosa que me tocava. E, assim, mais tarde descobri nas letras a imaginação presa que quer sempre sair, fugir, evadir-se. E hoje fazer leituras pra mim é um dom e um hábito. Desenho com as minhas cores e com as minhas próprias letras histórias minhas e alheias. Então, em algum momento elas são uma só e já me permitem SER, com toda a autonomia que o nome sugere. Livre e cheia de mim, leio e escrevo ideias, devaneios e prazeres. E deles, incontáveis impressões.
O folclore japonês conta a história da Casa dos Mil Espelhos, onde, num vilarejo antigo, um cãozinho se surpreende ao ver mil imagens de sua própria face, já que estava diante de mil feixes de espelhos que insistiam em mostrar as múltiplas imagens por muitos ângulos diferentes. A intenção do autor anônimo foi responsabilizar o cão pela imagem que ele vê nos espelhos. "Cada um vê a imagem que ele próprio traz na cara", dizia ele, em outras palavras. Mas eu priorizo na narração a intenção de dar importância a multiplicidade de interpretações. Ao meu ver, não é cada um que vê aquilo que é, mas, sim, cada um vê cada coisa de forma muito particular. E este espaço será usado para registrar essas múltiplas interpretações, as diferentes possibilidades de ler a vida. Eu aqui, por trás do meu par de lentes e diante dos meus próprios espelhos vou tecendo minhas leituras, e vocês aí, conhecendo as minhas e criando as de vocês... Sejam bem-vindos!!!
Que lindo Aline, gostei muito!!!!!!!!!Me lembrou o livro A dama e cachorrinho.
ResponderExcluirsuper beijocas lindona(=
Sim, obrigada pela atenção, Eulália linda!
ResponderExcluirVolte sempre!!! Bjo!