quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Terra do sem-fim

Virava e mexia, vivia tentando colocar nas cabecinhas dos meus alunos a importância de um bom livro na vida escolar deles. Metaforizava, falando das faces que a leitura pode ter. Falava da leitura de ‘efeito brisa’, aquela que acalenta, dando a sensação do “que delícia isso!”. Também discorria do ‘efeito furacão’, a leitura que transtorna e deixa marcas duradouras, quiçá eternas. Mas nunca conseguia chegar a todos. Diante do dia a dia difuso de hoje, torna-se muito fácil perder a atenção deles para um game novo ou pelo toque do celular. É alarmante, porque as novas tecnologias parecem ameaçar aulas de leitura e, bem dissimuladamente, disputam a atenção dos jovens com o gosto pelos livros.

Outro dia, encontrei uma professora minha na fila do banco, D. Dolores. Lembrei-me de como ela deixava desinteressante qualquer história em quadrinhos. A velhota e suas tão temidas leituras-em-voz-alta-semanais atrofiaram a vontade imaginativa de muitas crianças que conheci naquela época. Como se já não bastasse, havia as terríveis palmadas com a lendária régua feita de pau-brasil, caso alguém se recusasse a concluir suas exigências. É... O pau-brasil que D. Dolores nos apresentava castrava sonhos!

Pois é, me lembro de ter duvidado várias vezes do gosto pela leitura que via em algumas crianças na biblioteca da escola. Poderia afirmar, sem medo de ser inexata, que aquelas crianças eram treinadas pelas suas mães a se portarem daquela maneira em troca do presente de Natal. “Como deveria ser chato ficar ali, por horas, olhando para um mesmo lugar... e o pior: um mesmo lugar quase sempre em preto e branco, sem cores”, ficava imaginando quando saía para o recreio e as via com seus livros. Por alguns anos, o mais próximo que cheguei da literatura era nos meus monólogos, pois eu sempre costumava exagerar ao contar o que tinha acontecido no dia anterior para as minhas amigas. Eu realmente me divertia com o não-real. Ops! Ou melhor, eu era uma criança mentirosa... E aquilo me era mágico!

Mas acontece que num belo dia tive um sonho. Nele, eu observava um garotinho triste que brincava sozinho num parque cheio de flores, brinquedos e de outras crianças. Caminhei em sua direção para olhá-lo mais de perto, mas, mesmo assim, não consegui perceber porque ele estava triste. Como num passe de mágica, vi um homem com um garotinho no colo. Na verdade, era o mesmo garotinho, só não consegui acompanhar quando o homem tinha chegado. E o homem - que a essa altura já deduzia ser o pai do menino – deu um beijo no filho, deu-lhe um livrinho de capa azul e soprou-lhe algo no ouvido (isso mesmo, soprou). Pisquei mais demoradamente, como que querendo limpar as vistas. E o homem sumiu. E, então, o garoto colocou-se na mesma posição daquelas meninas lá da biblioteca, distante de mim, distante das outras crianças, das flores e dos brinquedos. Mas agora ele tinha um quase sorriso nos lábios, que anunciava de instantes em instantes uma satisfação discreta, só dele. E foi naquele belo dia que acordei diferente, meio que liberta de D. Dolores e de sua régua de pau-brasil.

Vi alguma coisa de comum naquele “sorriso de Monalisa”. Era o mesmo que eu disfarçava quando mentia para minhas amigas, nos meus primeiros textos, os mesmos que mais tarde se transformariam nos meus primeiros livros. Então, depois do sonho, entendi como chegar aos meus alunos. Passei a dar minhas aulas de leitura associadas a truques de mágica. E logo, Chapeuzinho Vermelho tinha super-poderes em sua capa que a fizeram destruir o lobo em confetes coloridos de carnaval.

Mas eu cheguei ao outro extremo, pois percebi que nos livros não existe mágica. Existe a imaginação dos leitores. E, só por isso, compreendi que os livros não se comunicam com o que está em voga nem têm validade, posto que a imaginação também não o tem. Eles são a prática do que está latente, em menor ou maior escala, mas latente. Sem vara de condão, o que move a imaginação rompe o invisível, se identifica e se casa com a alma do livro, num enlace tão real que determina o final feliz.

Um comentário:

  1. Não só nos sonhos existe mágica, mas na forma como contas as coisas....lindo isso.

    super beijocas!!!!

    realmente existem professores que traumatizam.

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