Existia uma árvore forte, mas pouco expressiva. Os traços de seus galhos eram medianos, limitados, até um pouco curvados. Mas a jovem árvore adorava sonhar. Sonhava em ganhar a estrada, em alcançar as nuvens, em falar a língua dos pássaros. Quando sonhava, o fazia com tanta vontade que já sentia suas raízes mais rasas. Então vinha a Dona Lógica e dizia ao seu ouvido que sem firmeza no chão, ela não se sustentaria e não viveria por muito tempo. Depois vinha o Vento da Manhã, renovador de ares que só ele, lhe cochichando segredos de outras atmosferas que só ele possuía. Mas a árvore sabia, não havia possibilidade de felicidade somente num chão nutrido e firme. Ela necessitava mais.
Suas companheiras, família por natureza, relutaram. Umas fizeram bico e viraram os galhos pro outro lado; outras ameaçaram chorar tudo que pudessem, desidratadas, em suicídio. Algumas mais adultas quiseram advertê-la sobre o fracasso e ainda disseram que, se isso acontecesse e precisasse voltar, não mais iriam afagar-lhe a copa, esquentando-lhe as extremidades no inverno. Mas ela decidiu e foi-se. Tirou de si toda a vontade, rompendo a terra em dores de parto, e conseguiu o impossível. A passos lentos chegou longe. Ela necessitou ir com suas próprias raízes e entender o que era verdadeiramente seu. Assim ela pôde perceber o quanto da sua imaginação era só poeira colorida e o quanto era verdade. Viu lágrimas, tristeza, solidão, escassez, cólera. Mas avistou também a esperança verdinha em folha nascendo a todo momento, a fé no invisível movendo mais que árvores, montanhas. Pôde vislumbrar o correr das águas, vivo, quase falante. Viu superação.
Ela voltou várias vezes contando boas histórias, mas nunca ficou. Ia e voltava. Ouviram-na falando uma língua estranha, uma que todos os seres entendem. Falaram que os passarinhos lhe cantam gracejos trepados em seus galhos, enquanto o vento travesso lhe sopra segredos alheios.
Dizem que ela é frequentemente vista no topo de uma montanha, onde ela fica a maior parte do tempo quieta, olhando a copa das outras árvores dançando suaves, o correr das águas de um rio caudaloso lá em baixo e sentindo o barulho que o vento faz, levando e trazendo, arrastando, renovando. Ela gosta desse cochicho. Talvez porque ela tenha entendido que a vida tem aquele som vivo, aquele som que se mexe, que corre, que vai atrás. Esse som que um dia se comunicou com a seiva que corre inquieta dentro dela.
Nota: Leitura metafórica dos que anseiam por conhecer além de sua aldeia.
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