quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Fim de caso

As palavras foram breves e leves. Tão leves que pareciam sussurros. Tão breves que ainda as busco na memória para não perdê-las, tateando-as, como que catando plumas voadoras num campo verde e aberto. Tão leves que acho que nem existiram, eram feitas de pó e eu lhes dei a cor que quis com minha imaginação, dando-lhes também alma. 

Dentre as coisas que não se deveria noticiar está o Fim. É quase um pecado. Penso que a finitude das coisas deveria ser somente sentida, como a memória de um velho que se esvai aos poucos, só que de efeito marcha-ré. Primeiro se sentiria uma pontadinha de lembrança dolorida, longe, looonge. Pra depois, com o tempo, poderem aparecer as pitadas de consciência misturadas com uma caduquice opiácea. Quando, enfim, a nuvem castanha e onírica evaporasse e a sobriedade aparecesse, só restaria a saudade da coisa finita.

Na verdade, acho mesmo que não ouvi nem uma letrinha sequer. Não ali, na hora do virar de costas, no bater da porta. Eu não conseguia apalpar as palavras-pluma porque elas me foram jogadas aos poucos, nesses anos todos. Mas uma coisa eu senti. O olhar que se evadia, que abandonava seu canto ainda quente em algum lugar em mim, deixando ocos meus desvãos, definitivamente, aquele olhar me soprava coisas, e eu conhecia a conclusão dorida daquelas palavras mudas. Palavras que mesmo descoloridas, sem peso, inexistentes, me trouxeram, à minha revelia e mesmo sendo pecado, a sobriedade arrasadora, com força, com tudo, sem um desconto, sem analgésico, sem nada.

Nota: Leitura do fim de algumas coisas.

domingo, 1 de novembro de 2009

O Desenraizar-se

Existia uma árvore forte, mas pouco expressiva. Os traços de seus galhos eram medianos, limitados, até um pouco curvados. Mas a jovem árvore adorava sonhar. Sonhava em ganhar a estrada, em alcançar as nuvens, em falar a língua dos pássaros. Quando sonhava, o fazia com tanta vontade que já sentia suas raízes mais rasas. Então vinha a Dona Lógica e dizia ao seu ouvido que sem firmeza no chão, ela não se sustentaria e não viveria por muito tempo. Depois vinha o Vento da Manhã, renovador de ares que só ele, lhe cochichando segredos de outras atmosferas que só ele possuía. Mas a árvore sabia, não havia possibilidade de felicidade somente num chão nutrido e firme. Ela necessitava mais. 

Suas companheiras, família por natureza, relutaram. Umas fizeram bico e viraram os galhos pro outro lado; outras ameaçaram chorar tudo que pudessem, desidratadas, em suicídio. Algumas mais adultas quiseram advertê-la sobre o fracasso e ainda disseram que, se isso acontecesse e precisasse voltar, não mais iriam afagar-lhe a copa, esquentando-lhe as extremidades no inverno. Mas ela decidiu e foi-se. Tirou de si toda a vontade, rompendo a terra em dores de parto, e conseguiu o impossível. A passos lentos chegou longe. Ela necessitou ir com suas próprias raízes e entender o que era verdadeiramente seu. Assim ela pôde perceber o quanto da sua imaginação era só poeira colorida e o quanto era verdade. Viu lágrimas, tristeza, solidão, escassez, cólera. Mas avistou também a esperança verdinha em folha nascendo a todo momento, a fé no invisível movendo mais que árvores, montanhas. Pôde vislumbrar o correr das águas, vivo, quase falante. Viu superação.

Ela voltou várias vezes contando boas histórias, mas nunca ficou. Ia e voltava. Ouviram-na falando uma língua estranha, uma que todos os seres entendem. Falaram que os passarinhos lhe cantam gracejos trepados em seus galhos, enquanto o vento travesso lhe sopra segredos alheios.

Dizem que ela é frequentemente vista no topo de uma montanha, onde ela fica a maior parte do tempo quieta, olhando a copa das outras árvores dançando suaves, o correr das águas de um rio caudaloso lá em baixo e sentindo o barulho que o vento faz, levando e trazendo, arrastando, renovando. Ela gosta desse cochicho. Talvez porque ela tenha entendido que a vida tem aquele som vivo, aquele som que se mexe, que corre, que vai atrás. Esse som que um dia se comunicou com a seiva que corre inquieta dentro dela. 

Nota: Leitura metafórica dos que anseiam por conhecer além de sua aldeia.